Diário da Viagem (Parte III)



…a música, a dança, ta no sangue dos cubanos. Sempre me impressiona quando toca uma musica e como automaticamente estão todos se movendo. Eles sabem como divertir-se. Conta uma professora que na crise dos mísseis, enquanto o mundo estava tenso, os soldados cubanos depois da vigília saiam a dançar, imagina!!!

Conhecemos uma brasileira que esta no quinto ano, se chama Patricia, uma companheira do movimento negro, foi outra pessoa extremamente atenciosa com agente. De uma conversa com ela me surgiu o interesse em estudar a questão do racismo em cuba. A cada dia me parece mais complexo o processo de educação de uma nova consciência.

Resolver sair em excursão para praia com um ônibus da escola. A praia se chama Rancho Luna. No dia anterior fomos a outra chamada Rancho Club, a qual só havia cubanos, e as vezes me incomoda a reação que provocamos ao entrar em lugares freqüentado somente por cubanos, para eles somos apenas turistas, e turista é sinônimo de dinheiro, ai fica difícil.



<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<(Rancho Club)>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>



Estava conversando com os “guris” sobre isso, como nos identificam como estrangeiros? Assumimos como desafio descobrir como se parecer como cubano, se é na roupa, nos movimentos, sei lá.

Caminhando pela praia Waldemar conheceu um cubano, de nome Leo, ele estava tentando encontrar algum lugar para mergulhar. Trabalha no hotel da praia, logo conheceu a todos nós, esse foi outro que ficou conhecendo nossa historia e das bicicletas.

Nos convidou para tomar algo no hotel. Ficamos numa cabana na beira da praia e Leo nos trouxe refrigerante e rum. Ele é cantor e animador do hotel, fala 4 idiomas, e é um tipo bem simples. Nos apresentou a duas canadenses conhecidas sua, aí a conversa ficou mais lenta porque dependia da tradução do inglês. No fim da tarde nos fez um convite, disse que um de nós poderia ficar no hotel. Tiaraju foi o escolhido.

No dia seguinte já na escola nos contou como havia passa a noite, uma noite de rei. Conta que comeu de tudo, havia mesas repletas de comida, e a bebida era livre. Que também teve horas de conversas com os cubanos... me anima muito ver na juventude a defesa da revolução. Principalmente de pessoas que trabalham diretamente com os turistas, recebendo tanta influencia, que escutam diariamente os contos da vida afora da ilha.

Aproveitamos para ir ao cinema, a cada dia é algo novo para se surpreender, este cinema toda sexta feira projeta um filme na parede do edifício em frente. Assim quem quer ver um filme é só sentar-se pela calçada ou trazer uma cadeira de casa, assistimos também os últimos dias de carnaval. As danças estavam belas, também as fantasias.

Aproveitamos os últimos dias em Cienfuegos para descansar, mas antes de partirmos aproveitamos para fazermos uma consulta ao médico. O nosso companheiro Jonas estava com uma forte alergia, com o corpo repleto de manchas vermelhas. O médico indicou não estar de forma alguma exposto ao sol. Isso estava botando fim a nossa viagem.


Na noite do ultimo dia conhecemos um argentino, que nos contou sobre um lugar, que segundo ele, não poderíamos deixar de conhecer antes de deixar a província. O lugar se chama El Nicho.

Seria um grande desvio do caminho antes combinado, mas segundo ele também por esse caminho chegaríamos a Trinidad. É um lugar entre montanhas, disse que há um rio com uma grande cachoeira. Ficamos animados, fazia tempo que não nos banhávamos em rio.

Estávamos decididos, nos nossos confiáveis cálculos eram 50 km a pedalar a mais. O argentino nos disse que havia algumas subidas difíceis, mas que era fácil conseguir carona.

Deixamos a escola as 8 a.m, pelas recomendações do medico concordamos que esta seria nosso ultimo trecho em bicicleta, as quais também já não estavam em bom estado.... foi nosso curso mais perigoso.

A estrada era estreita e com muitas curvas, o asfalto estava novinho e eu no começo não entendia porque, até descobrir que era uma passagem de caminhões de carga pesada, estive tenso todo o caminho, me assustavam os caminhões passando, por um momento quase vou barranco a baixo.

Finalmente chegamos ao principio do caminho que nos levaria ao Nicho. A placa indica que faltam 18km, já são 11 da manha, logo ao principio enfrentamos subidas.

Paramos para nosso almoço, pão, água, doce de leite. O cansaço já se sentia. Um senhor que vinha descendo a montanha nos conta que as subidas ainda estavam por vir, começou na próxima curva, era impossível subir pedalando. E ainda tinha pior, encontramos dois carros subindo, que tinham que parar a cada 300 metros para esfriar o motor.

Empurrando mochila, bicicleta, caminhando 100 metros, sinto meu coração acelerado, como se tivesse corrido dezenas de quilômetros. Já estamos bem alto, a paisagem daqui é linda, e estas montanhas são conhecidas como o Escambray.

Nessas montanhas aconteceu uma das batalhas mais importantes do inicio da revolução, contra várias milícias anti-revolucionarias organizadas pelos latifundiários contrários a Lei de Reforma agrária.

Na subida passamos ao lado de um campo de treinamento militar, onde se pode escutar os disparos ao longe.

Ufa!!! Por sorte pegamos um trecho plano, encontramos outro morador que nos informou que faltavam apenas mais umas subidas leves e então vinha pura descida. A ultima subida não foi nada leve, no meio dela encontramos um ranchinho onde uma senhora estava vendendo bananas. Ai tivemos um intervalo, ao chegarmos no pico do morro estávamos mortos, todos ansiosos por chegar na descida, só que quando chegamos lá, ninguém teve coragem de descer montando a bicicleta, pois era muito íngreme.

Finalmente chegamos ao Nicho, já eram 4 horas da tarde. O argentino também nos havia contado de um policlínico onde poderíamos pedir abrigo, quando perguntamos pelo caminho que nos levaria a Trinidad, ficamos sabendo que esse já estava fechado a algum tempo, que carro algum passava por aí, e que nos esperavam subidas muito piores, e o único povoado que existia no caminho era de um povo que não gostava de receber estranhos.

Então buscamos desesperadamente uma maneira de regressar, não sairia nenhum transporte por hora, apenas nos restava ficar.

Pelo cansaço, nesse dia não nos demos conta da beleza do local que tínhamos encontrado. Encontramos o médico do policlínico, era um cara bastante jovem, lhe explicamos nossa situação, o que ele pode fazer foi oferecer a varanda de uma casa vizinha a sua que estava fechada, essa varanda para mim era um hotel cinco estrelas, as bicicletas guardamos no policlínico.

Regressamos ao rio para tomarmos banho, a água estava super fria, tinha cachoeiras lindas, o Nicho é uma comunidade pequena, metido em meio as montanhas, por todos lados tem um paredão altíssimo de pedra. Estamos no Escambray.

Jantamos num restaurante que tinha no povoado, conhecemos a um motorista do único caminhão do local, que nos disse ter possibilidade de sair no dia seguinte pela manhã. Não dava para voltar de bicicleta, nossa exaustão não nos deixava nem pensar nisso, e definitivamente o caminho a Trinidad era impossível, todos nos diziam que era uma loucura a travessia por aí.

Parece que finalmente a má sorte nos alcançou nessa viagem, um pneu da minha bicicleta furou, eu mesmo concertei com o remendo que trazíamos

No dia seguinte tivemos a noticia que o caminhão não sairia, não tinha outro jeito, era continuar pedalando, era o primeiro trecho da viagem que tivemos que regressar, foi o momento mais pesado da viagem até o momento, estávamos todos estressados.

Logo ao principio já nos esperava a ladeira de ontem que hoje era uma enorme subida. Eu suava litros, um dia parece ser mais difícil que o outro, nesses piores momentos chego a pensar em desistir, mas se desistisse para sair dali também teria que pedalar, então não resolveria em nada, estou tão cansado que não da para pensar em nada, só consigo sentir o sol forte queimando e a dor das pernas.

Chegamos novamente no pico da montanha, aproveitamos para descansar enquanto lanchávamos. A vista é realmente linda daqui.

Agora o desafio é outro, hoje temos que encarar a ladeira, nessa parte tem asfalto, ta menos perigoso, a descida assusta, mas estou tão cansado de caminhar que não me importo, monto na bicicleta e puxo a fila, aperto forte os freios, meus dedos doem e mesmo assim a bicicleta voa, montanha abaixo é muito mais fácil, a sensação é maravilhosa do vento na cara.

O que no dia passado passamos 5 horas para subir, hoje descemos em 1 hora, pedalamos até a cidade anterior para pegar uma carona, pois hoje já não temos nenhuma condição de pedalar e qualquer destino que tomarmos esta longe.